31.10.06

Quem me viu, quem me vê?

Diante do espelho, olho e não me vejo. Penso em me desesperar, mas reconsidero. Desesperar-se às vezes dá tanto trabalho...
Dirijo-me à tela fria de um computador qualquer e digito:

Procura-se:

Vida. 24 anos, quase 25, quase uma eternidade. Blogueira por insistência. Pseudo-escritora por necessidade. Fácil de amolecer, difícil de quebrar. Sofre de rinite. Ou melhor, sempre sofre quando falta o ar. Ciumenta, mas controlada. Bonitinha sem ser ordinária. Fechada, mas nunca em si mesma. Insuportavelmente sincera. Em alguns momentos, insuportável apenas. Convence com idéias ao invés de comover com lágrimas. Acredita na lei de ação e reação. Gosta mesmo é de sol, mas vez por outra rende-se a mormaços. Só se molha na chuva se ela for de verão. Saliva, suor, amêndoas doces, tutti-frutti, paixão. Puramente intensidade. Quase sempre ansiedade. Pode ser extremamente incoerente, mas só se for em busca de coesão. Liberdade e libertária. Solitária e, talvez por isso mesmo, solidária. Intuição, instinto, telepatia. Gosta de perigo, embora negue. Ainda crê no ser humano. Mas há dias em que crê, também, que nem todos são humanos. Guia de labirintos. Faxineira emocional. Flerta com as palavras, mas só casa se for com as atitudes. Estressadinha e preocupada. Dança, ritmo, calor e trabalho. Vai do samba ao tango sem quebrar o salto. Não suporta quem diz que "se cair do chão não passa". Acredita mais no "você vai cair, mas sempre passa". Emoções complexas, pensamentos tortos, mas em constante evolução. Inteira em tudo o que faz. Moderna só no que lhe convém. Redondamente quadrada. Fiel, leal. Inevitavelmente real, mesmo no virtual. Garimpeira de amor. Não gosta de matemática, talvez porque ache secundário contabilizar. Pés descalços, boca molhada, mãos que buscam. Firme, mas maleável. Beijo, toque, pele e cheiro. Romântica sem ser pegajosa. Carente e, aí sim, levemente pegajosa. Não gosta de esperar. Perigosamente persuasiva. Acha tão importante saber ganhar dinheiro quanto saber gastar. Presença que envolve e pura ausência quando começa a sufocar. Teimosa, obstinada. Sonha sim, mas sempre por etapas. Especialista em (re)começos e (re)construções. Desafiadoramente persistente. Mais perguntas do que respostas. Mais garra do que exaustão. Mais luz do que sombras. Muitas Vidas em uma somente. Ou muito somente em muitas Vidas. Ou ainda: somente muita Vida.

Foi vista pela última vez vestida de noite de inverno - fria, nebulosa e sem estrelas - , mas ainda assim com o brilho do dia no olhar. Perdeu-se, em algum instante, nas entrelinhas de um discurso qualquer. Alguém viu por aí?



Volto novamente ao espelho. Tento me ver. Ainda não vejo, mas sinto. Sinto-me em cada um dos meus passos. Sinto-me toda. Sinto-me plena. Olhos têm a terrível limitação de só alcançar imagens. E em algum ponto do caminho eu optei por transcender a elas. Portanto, não busco mais ver nem ser vista. É hora de sentir, sem ver, sem ouvir, sem mais nada falar. Porque mesmo quando me julguei tão perdida, nunca deixei de ocupar o meu lugar.

25.10.06

No elevador

Ele estava atrás de mim na fila de espera e, juntos, entramos no elevador. Foi ali que tudo começou. Trocamos o primeiro olhar e naquele instante senti - como nunca havia sentido antes - o meu coração bater como quem saia do peito e ganhava o mundo. Mas não um mundo qualquer: o teu mundo, aquele que eu queria que também fosse meu. Envolvidos, caminhamos a passos rápidos em busca dos sonhos distantes que pareciam mais próximos. Ou será que os sonhos é que nos perseguiram? Confesso que nunca consegui identificar o tênue limite entre o tentar alcançar e o ser capturado. Mas isso não é relevante agora, talvez nunca o seja. O fato é que quando olhei para o lado não te vi. Enquanto eu estacionei no norte, os teus pés - não sei se por escolha ou hábito - continuaram a seguir para o sul. Por mais irônico que isso possa parecer, ainda consigo ouvir a tua voz embargada me pedindo para não ir, não se dando conta de que quem estava de partida não era eu, era você. E foi ali, naquele adeus fantasiado de até breve, que o meu coração parou de bater e começou a apanhar. Foi ali que ele percebeu que a única coisa - a única - que fizemos realmente juntos foi entrar naquele elevador. E agora? Como sair de lá?

18.10.06

Entre colorido e perfume

Hoje encontrei no fundo da gaveta pedaços da nossa história. Ela estava lá, escrita no papel colorido que comprei para enfeitar as nossas vidas. E ainda exalava o doce aroma da caneta perfumada de sonhos que usei para desenhar as melhores palavras que seus olhos atentos pudessem ler. Passei algum tempo deslumbrada com o colorido, com o perfume, com as palavras, com o reinventar de tantos capítulos, com o reinventar de nós mesmos, com o tanto que sentimos, mas não vivemos, com o tanto que vivemos, mas não sentimos. Reli cada pedaço de nós mesmos com o coração repleto da ternura que ficou mesmo quando todo o resto se foi. Em pensar que tudo foi arrastado por um vento quase forte, quase fraco, quase brisa, quase tempestade. Com um vento que eu vivi, mas que não soprei. Tentei lembrar o que nos fez deixar de fixar no solo o que tínhamos. Não lembrei. Será que você lembra? Pensei. E entre "serás" e "porquês", vi mais uma vez o vento chegar sorrateiro, tentando soprar o meu pensamento para longe. Não queria que fosse assim. Relutei. Tentei me segurar, com todas as minhas forças, mas não pude. Ao meu redor só vi promessas quebradas, palavras sem âncora, desculpas esfarrapadas e silêncio. Persistente que sou, procurei as raízes. Imaginei que nelas eu poderia me agarrar para depois replantar todo o resto. Mas elas também não estavam lá. Me vi, então, solta, completamente solta. Não tão livre, não tão leve, mas solta. E solta eu vou seguindo até romper a bolha em busca de mais ar.

Faz sentido!

Marina chorava inconsolável. A mãe, aflita, tenta entender o que se passa.

_ O que houve, querida? Por que razão choras tanto?
_ Ele fingiu, mãe. F-i-n-g-i-u.
_ Como assim? Conta-me o que há.
_ Foi assim: todo dia pela manhã eu gosto de despertá-lo com um belo desjejum na cama. Levanto bem cedo, preparo tudo e o acordo toda amorosa.
_ Belo gesto.
_ Sim, mas hoje descobri que todos os dias ele acorda antes de mim. Ele levanta, lê todo o jornal, depois volta para a cama e finge que dorme para que eu possa acordá-lo. A senhora acredita nisso, mamãe?!?!? Estou tão triste.

Dona Maura riu gostosamente.

_ Que mal há nisso? Não seja exagerada! Você ainda é tão jovem e inexperiente. Veja bem: ele apenas quis ser gentil. É um gesto tão pequeno, uma mentirinha boba, não se impressione com isso.
_ Sim, é pequeno. Aliás, é quase insignificante, eu bem sei. E é justamente isso que me entristece. Pense comigo: se por uma bobagem ele finge ao invés de ser franco, imagine quando estivermos enfrentando uma situação em que falar a verdade seja necessário (como sempre é!), mas extremamente difícil e constrangedor?

Na falta de algo melhor para dizer, Dona Maura calou-se. E a mim, que ainda levo a maior fé no poder da verdade, só resta silenciar também.

17.10.06

Série: palavras alheias, pensamentos meus

“Certa feita estive pensando sobre a diferença dos atos e palavras. Nos últimos dias voltei a carga em meus estudos e reli um “sem número” de recados amorosos não tão pretéritos assim. Recados belíssimos e ações não tão eivadas de amor assim. Percebi que escrever poesias e declarações de amor eterno é infinitamente mais fácil que abrir mão, ceder algo por alguém.
Concluí que os atos são as verdadeiras provas de amor, as palavras são apenas um instrumento. Concluí que não merecemos ser janelas de felicidade na vida de ninguém”. (Para alguns, anônimo. Para mim, apenas Henri)

15.10.06

Sobre o que nunca foi dito

Dentre todas as frases, há uma que nunca falei para ninguém. E não me refiro ao tão banalizado “eu te amo”, presente em tantas bocas que se beijam, mas não se bastam. Nem tampouco ao profético “você é o homem da minha vida”, reproduzido por aqueles que acreditam que é possível determinar o protagonista antes, sequer, de iniciar a história.

Refiro-me a tão sutil leveza de um singelo: cuida de mim. Frase esta intocada, que guardo longe de toda e qualquer mazela para fazer-se melodia apenas em ouvidos muito especiais.

Cuida de mim. Cuida de mim não porque eu não possa fazê-lo sozinha, mas porque eu não quero mais que seja assim. Não porque eu precise, mas porque eu desejo. Não porque eu seja frágil, mas porque em teus braços sou mais forte.

Cuida de mim não com a cobrança de um pedido, mas com a urgência de uma entrega. Pq deixar-se ser cuidada por alguém é se entregar.

13.10.06

Cansaço

"Tanto eu esperei para vencer/ E agora vejo que perder/ Nada mais é do que cansar". (Música Revelação - Elis Regina)

Tem dias em que já se acorda cansado...

Do trânsito que não dá trégua.
Do trabalho repetitivo.
De ver na estante os mesmos livros.
De ter mais dívidas do que crédito.
De percorrer o mesmo caminho.
De aceitar as mesmas desculpas.
De acreditar nas mesmas mentiras.
De esperar por algo que não vem.
De ser sutil quando se deveria chutar o balde.
De ver repetidos os mesmos atos.
De seguir a mesma rotina.
De bater na mesma tecla.
De brigar pelos mesmos motivos.
De não jogar e, mesmo assim, perder.
De ser assombrado por fantasmas conhecidos.
De falar e não ser entendido.
De ouvir e entender errado.
De calar e mesmo assim querer ser compreendido.
De correr e continuar a ser perseguido.
De amar e ser gostado.
De achar que detém e ser detido.
De se esconder e nunca ser encontrado.
De escrever e não ser lido.
De ter um nó na garganta tão bem atado.
De conjugar o verbo na pessoa errada.
De se iludir.
De fingir que não entende meias palavras.
De calar a palavra que ofende e se sentir engasgado.
De respeitar todas as leis.
De ver o mesmo velho filme na TV.
De tentar e dar errado.

Tem dias em que se acorda cansado. Mas amanhã isso passa. Sempre passa.

5.10.06

Não quero e algo mais

Barulho de água, é só o que ouço agora. Meus ouvidos descansam nesse som. Tão maltratados foram há pouco e, agora, apenas embalados pelo tilintar – quase irritante - de uma água que não chega a limpar. Ela apenas cai. Mas cai graciosamente, é bom que se diga: há muita arte em cair.

Sinto a cabeça quente e as mãos geladas. Cabeça tão quente como tudo o que me queima sem me explodir. Mãos tão geladas como tudo o que... Como tudo o quê? Como tudo.

Estou toda embaralhada em mil cartas que não me reconhecem. Tudo tão embaralhado como tantas partes de mim, que ora se perdem, ora se reencontram. Ora se cansam, ora me cansam.

Não quero mais, eu penso ( e a água continua a cair, sempre mais rápida do que eu). E eu continuo a pensar no que ainda não sei que penso:

Não. Quero. Mais.
Não quero. Mais!
Não, quero mais.
Não quero mais?
Não quero, mas...

E Chega. Sim, chega é uma boa palavra. É forte e definitiva, como eu deveria ter sido e não fui. Como eu deveria ter ... chega! Há muito charme em não mais. Não mais ser. Não mais ter. Não mais querer.

Porém, ainda não consigo tirar da cabeça quente e todo o resto frio, o chega que não era basta. O chega para perto. O chega para mim. O chega e me embala, que não consigo mais dormir. O chega que já foi um sim.

E nesse instante não ouço mais a água. Ela parou de jorrar. E agora quem jorra sou eu. Jorro por toda a parte. Jorro toda. Jorro o que parte.

Só ouço agora os barulhos da noite vazia. Rangidos. Tic Tac. Cachorro latindo. E a minha voz. Meus ouvidos doem. Minha garganta dói. Não quero mais ouvir, não quero mais falar. A noite está mais silenciosa agora - e eu já durmo, mesmo sem perceber, mesmo sem sonhar.

4.10.06

No mínimo, interessante

Afinidade é...

"Não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar". (Artur da Távola)

E já que é assim, me calo por aqui.

Sobre um dia comum

O dia amanheceu preguiçoso, mas eu não. Eu ainda sou energia e pura vida.

A tarde caiu, mas eu não. Eu ainda estou de pé. Às vezes mais equilibrada, às vezes um pouco menos. Mas de pé.

O dia anoiteceu, mas eu não. Eu ainda sou sol na sua estrada. Eu ainda estou aqui, mesmo sem falar nada. Eu ainda sou luz.

3.10.06

Um pouco de Clarice, um pouco de mim

“Eu, alquimista de mim mesmo. Sou uma mulher que se devora? Nao, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos meus modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e Deus”. (Clarice Lispector)

E assim, eu vou vivendo:

amanhecendo menina,
entardecendo bailarina,
anoitecendo mulher.

Amanhã, talvez, eu
amanheça entardecendo,
anoiteça amanhecendo
ou apenas entardeça,
mas tardando pouco,
para mais amanhecer.