25.9.06

Alguma coisa sobre a mentira

"... uma mentira que é meia-verdade é a mais negra das mentiras, pois uma mentira que é totalmente mentira pode ser identificada e confrontada diretamente, mas uma mentira que tem uma parte da verdade é muito mais difícil de ser combatida" (Alfred Lord Tennyson, poeta inglês, uma das maiores figuras da Era Vitoriana) . "


Mentira

Tal qual fétida fumaça de cigarro,
suas mentiras envolveram,
impregnaram-me
E mesmo longe, hoje,
ainda assim,
minhas mãos, cabelos,
minhas roupas
e o meu corpo, quase tão inteiro,
já não cheiram mais a mim.

20.9.06

Das rasuras que às vezes somos

Papel e caneta em mãos, esbocei um poema para você. Nele sobravam métricas, rimas e rasuras. Sim, rasuras. Daquelas bem exigentes que se sobrepõem às palavras tortas. Às palavras que nada dizem. Às palavras que mesmo nascidas em berço de poesia, não tocam. Entristeci-me perante o fracasso de escrever-te os mais lindos versos sobre o meu amor. E de tão triste chorei, molhando toda a folha de papel. Percebi, então, que ao chover sobre o que eu poderia dizer-te, palavras e rasuras se uniram em um único borrão.
E, assim, eu nos vi naquela folha. Nós às vezes palavras. Nós às vezes rasuras. Mas sempre unidos na poesia da vida em um único borrão.

16.9.06

Sobre uma poça que não secou

Entre mim e você havia uma poça. E ela tinha lá a sua beleza. Poças podem ser belas quando refletem a luz de olhos que brilham. O perigo é quando os olhos se apagam. E tudo fica escuro. E a poça vira rio. E as mãos já não se tocam. E os corpos já não se aquecem. E você tenta nadar, mas não é mais possível. E os sonhos - todos eles - já partiram. E embora tudo esteja cheio, só há por dentro um grande vazio. Um vazio não do que se foi, mas do que nunca veio. Um vazio não pelo que parte, mas por tudo o que fica no lugar. Por toda essa ruína de nós mesmos. Por tudo o que grita tão alto quando só resta o silêncio.
Entre mim e você havia uma poça. Só que no final das contas, não foi ela quem secou, mas todo o resto. E eu que tanto tentei não molhar os meus pés, sempre tão descalços, vou levando a vida assim: transbordando em mim mesma para não me afogar.

Nem que a gente morra

Não sou fã de Caetano, embora goste de algumas de suas músicas. Mas sabe quando alguém escreve antes de você o que poderia ter sido redigido pelas suas mãos, tamanha a verdade que te passa? Pois é.

"Não, nada irá nesse mundo/ apagar o desenho que temos aqui/ nem o maior dos seus erros/ meus erros, remorsos, o farão sumir/ vejo essas novas pessoas/ que nós engendramos em nós/".

E eu, que já me acostumei a morrer quase todo dia, para renascer no outro, não consigo parar de repetir:

"Nada, nem que a gente morra/ desmente o que agora/ chega à minha voz”.

12.9.06

Um dia, quem sabe...

Um dia eu quero ser livro. Não daqueles que qualquer um encontra na prateleira dos mais vendidos. Não, isso não. Eu quero a tão sutil beleza de um livro de páginas amareladas. Livro de páginas meio soltas. Livro com remendos feitos de durex. Esses livros, já tão gastos, não são egocêntricos. Carregam eles, além de suas histórias, as alheias. Carregam as experiências dos que o folhearam. Entendem da arte de ser mais do que palavras unidas, sem significado algum. E não há nada que, enquanto livro, eu queira mais do que carregar em minhas páginas não só letras, mas marcas, vivências, expressões.
Quero ser livro que faça rir. Mas, por favor, vez por outra transborde o que há em você sobre mim. Livros também são carentes, embora quase ninguém saiba. Quero ser livro que alegre, que faça pensar. Mas não só. Quero ser livro que faça sentir.
Quero ser livro de capa sóbria e simples. São tantos os que compram livros pelas capas. E eu não suportaria que me escolhessem justamente pelo que eu não sou. Porque livros não são capas, não são fontes, não são imagens. Livros não são sequer apenas as histórias que contam. Eles são sempre mais.
Um dia eu quero ser livro sim, isso é fato. E não tenho a pretensão de ser um livro belo. O que desejo é alcançar a imortalidade, tornando-me a cada releitura um belo livro, o que é muito diferente. Quero ter todo esse ar tão natural de mistério. Quero ter toda essa sutileza de às vezes não dizer tudo, mas ser compreendida. Porque nem sempre somos o que falamos. Quantos livros conheço que são exatamente aquilo que calam. Livros estão sempre disponíveis, mas sem ser oferecidos. Eles só mostram o seu valor para quem os procura. Eles nada impõem. E o mais fascinante: livros não são bons apenas quando são lidos. Mesmo que ninguém nunca os abra, mesmo que ninguém nunca vá além do nível em que só há palavras, ainda assim, eles serão sempre história, serão sempre magia, serão sempre encantamento. E mesmo que ninguém nada entenda do que está escrito em suas linhas, não importa, eles serão para sempre livros.

10.9.06

Das pessoas que gostariam de ter o que não dão

Afasta de mim as tuas queixas. Afasta de mim o teu sorriso de estátua de pedra. Estou farta de cobranças desmedidas, de falas corrompidas, das mãos quentes, mas gelo no coração. Olhe bem para mim e me diga: oq vês? Estou mais para otimismo desenfreado do que para balcão de reclamações. Estou mais para brisa em fim de tarde de verão, para abraço saudoso, para recomeços constantes. Estou e sou mais esperança do que lamentos. Portanto, não me venha chover as suas lágrimas que nunca deveriam ser. Não me venha molhar os meus castelos, que são de areia sim, mas estão mais de pé do que vc. E não pense que a tua boca não prova banquetes pq o mundo é cruel e a felicidade não existe. Para as migalhas que vc oferece cheguem a ser um pão inteiro vai levar algum tempo, talvez toda a tua tão apagada existência. E embora o papel de vítima te caia muito bem, não conte comigo para aplaudir a tua desgraça na primeira fila de um teatro da vida qualquer.
Por fim, afasta de mim as tuas histórias mortas e repare bem: não são as linhas que estão tortas e vc quem até tenta, mas não tem talento algum ao escrever.

3.9.06

Volúvel

Às vezes te amo com todas as minhas forças
Depois me sinto fraca e te amo menos
Depois me recupero e me sinto em paz

Às vezes tudo o que quero é ter vc por perto
Depois me sinto presa e não quero mais
Depois reconsidero e me ato em ti cada vez mais

Às vezes quero correr para bem longe
Depois estou tão distante que quero voltar
Depois me sinto cansada e ando bem devagar

Às vezes quero carregar o mundo nas costas
Depois me vejo pequena e quero parar
Depois que paro, não sei qd poderei recomeçar.