5.10.06

Não quero e algo mais

Barulho de água, é só o que ouço agora. Meus ouvidos descansam nesse som. Tão maltratados foram há pouco e, agora, apenas embalados pelo tilintar – quase irritante - de uma água que não chega a limpar. Ela apenas cai. Mas cai graciosamente, é bom que se diga: há muita arte em cair.

Sinto a cabeça quente e as mãos geladas. Cabeça tão quente como tudo o que me queima sem me explodir. Mãos tão geladas como tudo o que... Como tudo o quê? Como tudo.

Estou toda embaralhada em mil cartas que não me reconhecem. Tudo tão embaralhado como tantas partes de mim, que ora se perdem, ora se reencontram. Ora se cansam, ora me cansam.

Não quero mais, eu penso ( e a água continua a cair, sempre mais rápida do que eu). E eu continuo a pensar no que ainda não sei que penso:

Não. Quero. Mais.
Não quero. Mais!
Não, quero mais.
Não quero mais?
Não quero, mas...

E Chega. Sim, chega é uma boa palavra. É forte e definitiva, como eu deveria ter sido e não fui. Como eu deveria ter ... chega! Há muito charme em não mais. Não mais ser. Não mais ter. Não mais querer.

Porém, ainda não consigo tirar da cabeça quente e todo o resto frio, o chega que não era basta. O chega para perto. O chega para mim. O chega e me embala, que não consigo mais dormir. O chega que já foi um sim.

E nesse instante não ouço mais a água. Ela parou de jorrar. E agora quem jorra sou eu. Jorro por toda a parte. Jorro toda. Jorro o que parte.

Só ouço agora os barulhos da noite vazia. Rangidos. Tic Tac. Cachorro latindo. E a minha voz. Meus ouvidos doem. Minha garganta dói. Não quero mais ouvir, não quero mais falar. A noite está mais silenciosa agora - e eu já durmo, mesmo sem perceber, mesmo sem sonhar.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Belo texto, belas construções de sentido. Acabei de pedir para minha filha ler para mim enquanto eu ficava com os olhos fechados porque eu queria ouvir e construir todas as imagens. Quase consegui ouvir a água cair.

Por coincidência, mesmo sabendo que pessoas como nós não acreditam nisso, li um texto sobre água, que acabo de enviar para o seu e-mail. Ele começa assim:

"Barulho de água. Borbulhante, corajosamente cantante".

Um grande abraço meu e da Luciana.

Sentimos sua falta, Vida tão querida. Qd nos dará o ar de sua graça? Luciana está tão grande...

6:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

Oi Amiga!

Vc como sempre se superando. Não preciso comentar mais nada. Sabe o que eu vou fazer? Seguir o exemplo do comentárista abaixo com a minha priminha. Adorei a idéia. Viu o que os seus textos fazem? CRIATIVIDADE, BUSCA, REFLEXÃO ...

Beijos

9:45 PM  
Anonymous Anônimo said...

oi Vivi... so pra saber q estive aqui e adorei saber q voltaste a escrever e publicar
bjos

7:28 PM  

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