Olhar...

Lembrar: se eu não desviar meus olhos, mal algum poderá me acontecer. Se eu não desviar...
José andou como se fosse homem
Jogo-me na cama. Não fecho os olhos, mas durmo.
Sonho.
Eu e você na noite escura. Ausência de cenário. Uma estrada perigosa. Não há estrelas, não há lua, nem mesmo o céu há. Espero durante horas o sinal ficar vermelho para que eu possa atravessar com segurança a avenida que me separa do futuro. Tenho pressa. Tenho sede. Tenho fome. E só. Porque ter nem sempre é necessário. Ainda mais quando o que mais se deseja é ser. Marco o ritmo dos meus pensamentos inquietantes com os pés. Mas permaneço com eles fincados no meio fio. Estabeleço pequena trégua ao compasso de idéias para considerar: meio fio. Por que meio? E me questiono o que me faz ficar ali parada num fio que nem sequer está inteiro. Desisto de esperar o avermelhar do sinal imprevisível. Decido arriscar. Mesmo sem saber direito o que arrisco. Desço do tal fio que não é todo, é apenas parte. Meu corpo põe-se a caminhar para o outro lado com a coragem controversa de quem não sabe o que faz. Eu apenas o acompanho. Você não. Já não sei mais onde você está. Fico no meio da estrada sozinha por um instante. No outro, você reaparece. E surge com feições que não são mais suas. Veloz, você vem em minha direção e me acerta. Veloz, você vem e me atropela. Joga o meu corpo inteiro no chão. Eu ainda pessoa, você agora caminhão.
Acordo. Penso que morri. Mas não. Foi só um sonho ruim. A realidade é outra. Procuro os teus braços e neles me salvo. Eu ainda amor, você também.
Acontece que hoje não há inspiração. Simples assim, como tudo deveria ser: não há. Debruço-me inteira sobre a folha de papel e não me vejo nela. Tenho na ponta da língua, na ponta dos dedos, na ponta da corda bamba em que me (des)equilibro muitas palavras. Umas belas, outras nem tanto. Umas feitas de rosas frescas e brancas, outras apenas cactos. Mas todas soltas demais para fazerem sentido algum. Todas com a terrível limitação de ser apenas o que são: palavras.
Acontece que não. Não há inspiração. Não há porque hoje não tenho nada que me faça querer olhar para fora de mim. Ou melhor, tenho tanto em cada um dos meus cantos e dos meus jarndins internos, que não encontro espaço para encaixar-me aqui. Há tanto em mim que já não me detenho a apenas uma forma de existir. Ou apenas: há tanto em mim que já não me detenho. Simples assim, como nunca deveria ter deixado de ser. Como nunca mais esquecerei que é.
Debruço-me, então, não mais sobre a folha, mas sobre mim mesma. E, assim como antes, debruço-me inteira. Penso em escrever. Mas não. Hoje, definitivamente, não. Hoje é o dia em que continuo a não ter inspiração. Tenho apenas urgência. Tenho apenas Vida. Tenho tudo: tenho a urgência da Vida. Para que mais?
Porque eu gosto de lutar
Três amigos: dois homens, uma mulher.
Ele entrou, correu os olhos por todo o bar e os fixou em mim. Lançou-me um sorriso cínico e banal e - ainda sorrindo - ocupou a cadeira vazia ao meu lado.